JUSTA CAUSA: 4 CUIDADOS BÁSICOS ANTES DE DEMITIR
A atual legislação brasileira trabalhista se traduz em verdadeiro desafio para empresas, empresários, trabalhadores e até mesmo para as famílias, nas hipóteses de trabalho doméstico. Uma gama de direitos, deveres e obrigações acessórias, tanto para empregados quanto para empregadores fazem desse elemento de empresa, ao lado dos encargos tributários, um dos mais temidos por aqueles que exerçam qualquer atividade empresária.
Dentre tantos reveses, são necessários alguns esclarecimentos quanto a demissão por justa causa, que rotineiramente é aplicada de forma arbitrária, inclusive em alguns casos onde, apenas pela não observância de requisitos intrínsecos e extrínsecos de nossa jurisprudência, tornam nulas demissões que de fato deveriam ser “justa causa”.
Assim, o presente estudo visa apresentar aos empregadores, os cuidados e exigências legais básicas a serem observadas antes de demitirem alguém por justa causa.
A justa causa, ou dispensa motivada, ou ainda demissão imotivada é a penalidade mais gravosa que poderá ser aplicada a um funcionário, apenas será observada nas hipóteses restritas delimitadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especificamente em seu art. 482 e alíneas, in verbis:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.[1]
Ora, assim, além das hipóteses elencadas nas alíneas a à l, também será observada a justa causa, nas hipóteses de atos atentatórios a segurança nacional, quando comprovados através de inquérito administrativo.
Em comum, todas as hipóteses delineadas pela CLT são de cunho subjetivo e não é objeto deste trabalho exaurir cada uma das hipóteses de justa causa, mas sim, apresentar os elementos comuns a cada uma delas e desta forma, assegurar ao empregador o pleno exercício de seu direito de demitir por justa causa um de seus empregados. Assim, passamos a análise dos cuidados básicos antes de demitir alguém por justa causa.
1.1. O Excesso de Rigor
O primeiro cuidado a ser analisado será o “excesso de rigor” que assim como os demais requisitos é extremamente subjetivo, porém, possível de ser entendido enquanto conceito.
É fácil imaginar situações em que haja excesso de rigor, por exemplo: atraso não habitual, faltas não justificadas em pequena proporção, dissabores com colegas de trabalho e outras mais. Porém, a situações limítrofes, onde é de extrema dificuldade diferenciar o excesso de rigor e o regular exercício do direito de demissão por justa causa de um empregado.
Tomemos por base, a participação em movimento de paralisação, ou em uma greve iniciada de forma irregular, ora, não me parece razoável que alguém se ausente do trabalho para participar de paralisação iniciada de forma irregular, serão causados prejuízos ao empregador e muitos, talvez de difícil reparação.
Pois bem, apesar da hipótese apresentada, quando objeto de uma decisão judicial, o Tribunal Regional de Trabalho de Goiás não assistiu razão ao empregador que demitiu seu funcionário por justa causa, em razão de participação em paralisação irregular. Para os Desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, a participação em movimento de paralisação, ainda que iniciado de maneira irregular, não constitui, por si só, justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, em razão desta ser a penalidade última a ser aplicada ao obreiro. Vejamos:
DISPENSA POR JUSTA CAUSA. PARTICIPAÇÃO EM PARALISAÇÃO. EXCESSO DE RIGOR. A participação em movimento de paralisação, ainda que iniciado de maneira irregular, não constitui, por si só, justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, em razão desta ser a penalidade última a ser aplicada ao obreiro. Ademais, em razão da sua gravidade, inadmissível pois que a referida dispensa ocorra de maneira precipitada, no calor dos acontecimentos, o que acaba configurando excesso de rigor por parte do empregador. Recurso a que se nega provimento.[2]
Assim deverá preponderar a razoabilidade e proporcionalidade da conduta, sempre devendo-se levar em consideração que a demissão por justa causa, apenas será aplicada em última instância ao empregado.
2.2. A Imediatidade da Pena
Prosseguindo com os devidos cuidados a serem adotados antes da prática da demissão por justa causa, analiso agora a imediatidade da pena, que basicamente consiste em que a pena seja aplicada contemporaneamente ao fato que lhe deu ensejo.
A matéria em comento foi objeto de discussão na mais alta corte em temas de direito do trabalho, no caso o Tribunal Superior do Trabalho (TST) no julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 138900-34.2008.5.04.0102, do qual extraio arresto para conhecimento:
“… Os atos praticados pelo empregado que importem quebra da fidúcia necessária à continuidade do contrato de trabalho encontram previsão no artigo 482 da CLT, sendo indispensável, para a caracterização da justa causa, a gravidade do ato imputado ao empregado, proporcionalidade e imediatidade da pena cominada.[3]
Não se faz necessário delongas quanto ao tema, simplesmente a aplicação da justa causa deverá ocorrer no momento em que tenha sido observado o fato que lhe justifica, por exemplo: um empregado habitualmente chega embriagado no trabalho, as câmeras de segurança o flagram caindo no chão devido aos efeitos do álcool, seus colegas de trabalho sentem o mau hálito, o mesmo por vezes dorme no trabalho de tão influenciado pela droga e seus exames toxicológicos apontam o uso de substâncias entorpecentes. Neste caso este será o momento da demissão por justa causa, contudo, o mesmo não poderia ocorrer se o empregado se comprometesse em praticar uma recuperação, mantendo-se abstêmio, participante de reuniões de grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) e frequentador de psicólogos, enfim, estivesse “limpo”, neste caso, não poderia mais ser demitido por justa causa, uma vez que, no momento em que deveria tê-lo demitido, o empregador quedou-se inerte.
Enfim, a imediatidade da pena é um instituto que visa coibir que o empregador tenha uma “carta em suas mangas”, um objeto de chantagens em desfavor do empregado. Logo, nas hipóteses em que não aplicada contemporaneamente a justa causa ocorrerá o perdão tácito do empregado.
2.3. A Vedação a Dupla Punição
Outra dos cuidados nas hipóteses de justa causa é a vedação a dupla punição, que consiste basicamente em que o empregado não sofra além da despedida motivada, outra punição pelo mesmo fato gerador da demissão por justa causa.
Abaixo é possível observar o comportamento dos julgadores dos Tribunais Regionais do Trabalho dos Estados do Rio de Janeiro e do Maranhão, vejamos:
JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. VEDAÇÃO À DUPLA PUNIÇÃO. Para cada ato faltoso do empregado o empregador tem direito a aplicar apenas uma única punição. Assim, se a falta ensejadora da justa causa já havia sido punida com desconto salarial, fica descaracterizada a punição máxima aplicada ao empregado, em respeito ao princípio do non bis in idem.[4]
JUSTA CAUSA. FALTA JÁ PUNIDA. BIS IN IDEM. A dupla penalidade aplicada diante da mesma falta implica a violação do princípio da singularidade da punição ou non bis in idem. E mais: ainda que em tese a falta configurasse motivo ensejador da dispensa por justa causa, foi objeto de perdão tácito patronal que preferiu aplicar a suspensão, não podendo mais ser revertida.[5]
Nos julgados acima expostos observamos duas situações distintas que servem de exemplo para nosso estudo, no primeiro o empregador aplicou a penalidade de desconto salarial seguido da demissão por justa causa, já no segundo, o empregador decretou a suspensão seguida da demissão por justa causa. Em ambos os casos a demissão por justa causa foi revertida.
Nestes casos, quando aplicada qualquer punição que não seja a demissão por justa causa, o empregador estará tacitamente perdoando seu empregado, não mais podendo-lhe aplicar a despensa motivada.
2.4 – Da Prova Robusta
Por último, e sim, mais importante, a “prova robusta”. Apesar de um conceito bem simples, isto é, a demissão por justa causa apenas será observada quando houver prova incontestável do fato que deu ensejo a demissão motivada; a prova robusta é o mais delicado cuidado que deve ser observado pelo empregador.
Como citado no exemplo anterior do empregado habitualmente embriagado, fiz questão de demonstrar diversos meios de prova para a demissão por justa causa, isto é, a gravação por câmeras, a prova testemunhal, exames toxicológicos e outras mais que poderiam ser produzidas, como fotos e mais.
Diante de mais uma análise de uma decisão judicial, notamos que a prova robusta é condição inafastável para a demissão motivada. Demonstro:
EMENTA: JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. Ante a gravidade de que se reveste a dispensa por justa causa, sua aplicação exige prova robusta e convincente. MULTA DO ART. 477 § 8º, DA CLT. O reclamado não comprovou que o reclamante tenha impossibilitado a quitação das verbas rescisórias no prazo legal, razão pela qual a multa rescisória é devida. Recurso Ordinário conhecido e improvido.[6]
Assim, a orientação a ser data é no sentido de que, se pretende demitir um empregado por justa causa, o faça com o máximo de provas possíveis, pois quase que invariavelmente as mesmas serão discutidas judicialmente.
3. O ABANDONO DE EMPREGO NO CUMPRIMENTO DE AVISO PRÉVIO
Abro espaço neste artigo para, além dos cuidados apresentados, suscitar uma pequena observação para que empregadores não incorram em erros. A despedida por justa causa não será observada nas hipóteses de abandono de emprego quando no decurso do prazo de aviso prévio.
Abaixo Súmula do Tribunal Superior do Trabalho à respeito do tema:
Súmula nº 73 do TST DESPEDIDA. JUSTA CAUSA (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 A ocorrência de justa causa, salvo a de abandono de emprego, no decurso do prazo do aviso prévio dado pelo empregador, retira do empregado qualquer direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória.[7]
Nesta hipótese não será observada a justa causa por um simples motivo, o abandono de emprego não tem o condão de alterar a situação fática do empregado e empregador, ou seja, de uma ou outra forma, o empregado não prestará mais serviços ao empregador.
Considerações Finais
É fato que a demissão por justa causa é última das penalidades aplicáveis ao empregado, bem como que, a mesma se opera em caráter de exceção.
Para que seja aplicada, deverá o empregador observar diversos cuidados, tais como, a proporcionalidade e razoabilidade da pena aplicada, a temporalidade da punição que deverá ocorrer simultaneamente com o fato que lhe deu ensejo, a aplicação exclusiva da demissão motivada, jamais cumulando-a com outra punição qualquer e ainda sendo sempre indispensável que haja prova concreta e inquestionável da demissão por justa causa.
É preciso também observar que não será caracterizada sob nenhuma hipótese a justa causa nos casos de abandono de emprego no cumprimento de aviso prévio, ainda que, haja o preenchimento de todos os demais requisitos.
Por fim, além de todas as cautelas assinaladas, é indispensável o assessoramento de um advogado especializado no ramo do direito do trabalho, que de forma técnica poderá concluir se o caso em concreto é ou não uma hipótese de demissão por justa causa.
Alan Savedra – JusBrasil